Originalmente publicado no MarcoZero.org


Por  Jacques Schwarzstein

Cinco pessoas têm que fazer a travessia de um deserto. Uma tem 3 litros de água, que são insuficientes. A segunda tem 7 litros, que dão para o gasto. As demais têm 12 litros, 19 litros e 58 litros, respectivamente. As cinco estão atadas por correntes invisíveis. Se uma delas desfalecer terá que ser arrastada pelas outras. A água que têm juntas é mais que suficiente para todas mas, nem por isso, chegam a um acordo sobre o compartilhamento da água e sobre a distribuição do peso entre elas.

Trata-se, evidentemente, de uma alegoria do perfil da distribuição de renda no Brasil. Os números são os mesmos. Cada uma das pessoas que deve atravessar o deserto representa 1/5 da população brasileira, ou seja, a 42 milhões de cidadãos. Temos recursos suficientes para fazer do Brasil um país bom para todos, mas esbarramos na descontinuidade das políticas públicas, no desequilíbrio fiscal e na falta de uma vontade política clara. No nosso caso, como na alegoria do deserto, o que falta não é água, mas sim um entendimento básico sobre a melhor maneira de fazer com que ninguém sofra de sede.

Há países onde a pobreza é tanta que nada se pode fazer além de rezar por um crescimento econômico, que nem sempre resolve o problema. Mas não é esse o nosso caso. Nossa pobreza custa caro ao pais, mas é perfeitamente superável com o que temos. A boa notícia é que parece que estamos percebendo que, também nós, estamos atados por correntes invisíveis. A outra boa notícia é que sabemos o que e como fazer. O que falta é pactuar prioridades e correr para o abraço.

O Brasil é reconhecido no mundo todo pelo sucesso obtido por suas políticas públicas, programas e projetos de enfrentamento da miséria. A partir da promulgação da Constituição, em 1988, todos os governos que se alternaram no poder, apoiados por amplos setores da sociedade civil, contribuíram para que, em 2014, nossa pobreza extrema chegasse a 2,5%, ou seja, ao mais baixo patamar histórico da série iniciada em 1990.

Balizamos o caminho, mas o sonho começou a acabar no final de 2014, quando a crise econômica se anunciou sem que conseguíssemos elaborar um plano contingencial e extraordinário de proteção social. O PIB caiu, o déficit fiscal voltou a crescer, a crise política galvanizou as atenções, os investimentos sociais acabaram sendo limitados por lei e a pobreza disparou em V. Em um de seus artigos, Marcelo Neri, economista, ex-presidente do IPEA e ex-ministro, revelou que, de acordo com suas projeções, entre 2014 e 2017, “o aumento de pobreza foi de 29,3%, incorporando, até meados de 2016, 5,5 milhões de novos pobres às estatísticas, só por conta da desaceleração econômica”. Ou seja, retrocedemos em três anos quase 2/3 do caminho vencido em 11 anos. Ficou claro que transitamos o tempo todo numa zona de equilíbrio precário e de alto risco.

Tudo que já ia mal, piorou em 2020 com a chegada da pandemia e foi assim que, diante de uma conjuntura assustadora, achamos ser impositivo pautar com força a necessidade de uma ampla e contundente mobilização de governos e sociedade, direcionada para a superação – desta vez sustentável – da miséria que tanto mal faz ao país como um todo.

O Pacto Brasil sem Pobreza é proposto por um coletivo de profissionais da comunicação. Não somos vinculados a nenhum partido, acreditamos na ciência e na importância da diversidade. Não podemos aceitar que, na hora da crise, quem pague a conta sejam os mais pobres, enquanto os mais ricos ficam ainda mais ricos. Temos que encontrar maneiras de manter o equilíbrio fiscal e de acabar com a miséria, sem prejuízo de uma coisa ou de outra. Pode ser difícil, mas não é impossível para um país rico como nosso. Se pretende sair do atoleiro, uma nação que não é miserável, não pode condenar à miséria um quinto de sua população.

Sabemos que não há fórmula mágica para resolver a questão e o que estamos vendo também é que a superação da pobreza não passa apenas pela questão da renda familiar. O que o Pacto Brasil sem Pobreza quer, é estimular um processo de mobilização nacional, participativo, produtivo e criativo, que obrigue os candidatos de 2022 a se comprometer com um projeto integrado de país melhor. Um projeto de um país unido que decidiu, de uma vez por todas, pôr fim à miséria que tanto nos prejudica e ofende.

*Jornalista, ex-coordenador do escritório do Unicef em Recife e cofundador do Pacto Brasil Sem Pobreza